Dizem que Entressafra é a mais interessante das mixtapes do chefe. Ela começa a ser criada durante os meses que precedem o lançamento de Raciocínio Quebrado. Cronologicamente, é a 3ª mixtape de catálogo do Parteum. Parte do ano de 2004 foi marcado por um período (quase) sabático pra ele. Com ajuda de Vander Carneiro, Suissac e Secreto, Parteum montou seu primeiro home studio. Uma placa M-Box (1, com pré da Focusrite), ProTools LE (com 32 canais), alguns plugins RTAS (bem antes dos VSTs se consolidarem) e um SM58 usadinho, comprado na Krocodille Pop. Abaixo, o release que Fábio mandou para portais e redação de revistas e cadernos culturais via Piky, responsável pela assessoria de imprensa da Trama, na época de lançamento desse projeto. 

A história conta que num determinado momento da década de 80, durante rotinas de B-boys num parque da cidade de Nova Iorque, o que acontecia nos bailes ganhou as ruas. O ato de mixar sons já era conhecido, os Disc-Jockeys já existiam, a cultura Hip-Hop já existia, a inovação estava em combinar sons com o propósito de manter a vibração das rotinas viva por mais tempo, assim durante os treinos ninguém ficaria responsável por trocar as fitas. Bem, de 30 em 30 minutos isso ocorria de qualquer jeito. 

Certamente a arte de criar fitas para amigos e amadas também influiu no inevitável surgimento das mixtapes. Aqui na Terra Brasilis, me lembro de alguns programas da Band FM, com blocos de 30 minutos mixados, eu era pequeno, não me lembro os nomes dos DJs da época. Em 94 ganhei uma mixtape de um amigo que tinha ido pro Japão. Uma cópia de uma cópia de uma cópia, pra ser exato. Uma mixtape de "blends" do Cutmaster Cee, demorei a entender a proposta daquela obra. Retalhos, rimas soltas, meus MCs prediletos rimando sobre bases de outros artistas, o Cutmaster Cee gritando "Cee!" a cada blend, mas aquilo tornou-se uma maneira divertida de passar o tempo no trampo. Se me lembro bem, meu primeiro walkman não tinha auto-reverse. Logo eu tinha, assim como os B-boys da antiga, de trocar o lado da fita a cada 30 minutos. Criar o "mix" perfeito no tempo do lado de uma fita e recomeçar de uma maneira inteligente o lado oposto é quase uma ciência, já com os CDs tudo ficou um pouco mais tranquilo. A evolução dos sistemas digitais de gravação e edição de áudio facilita o processo. As primeiras mixtapes serviam como uma gazeta, um jornal dos lançamentos de cada um dos bairros da "Big Apple", um documento livre, ligado às novas tendências, novas formas de mixar sons, entre outras coisas. Com a difusão da cultura Hip-Hop, as mixtapes tornaram-se ainda mais fiéis às ruas. Feitas pelos próprios músicos, na maior parte das vezes, eram extraoficiais e vendidas apenas em shows e lojas específicas. Aos poucos, por conta do namoro com a "Corporate America", adquiriram outros costumes. O que outrora garantiu a sobrevivência de formas ainda puras de ritmo e poesia, passou a ajudar grandes gravadoras em ações de marketing específicas, com faixas exclusivas, artistas pouco conhecidos próximos de outros já estabelecidos... Então o que digo é que tudo não passa de uma ferramenta de marketing e só? Não, vivemos tempos diferentes. A lei das ruas nunca foi tão válida no ambiente corporativo. Jay-Z é co-presidente da Def Jam, a empresa que agenciava os shows de Iron Maiden, virou um selo e possui uma divisão de música “urbana”. As rádios daqui que abominavam meu estilo musical, adicionam 50 Cent, Ja Rule a suas programações. Evolução? Sinal dos tempos? Final dos tempos? 

De volta aos ideais românticos que me levaram a escrever esse texto, posso dizer que em minha 3ª mixtape, Entressafra, procuro apontar novos caminhos para minha música, mesmo que esta ainda esteja ligada ao conhecimento acumulado das duas primeiras mixtapes e meu álbum. Um outro exercício de liberdade e poesia. Não há melhor nome para esse novo evento de espanto e antecipação, já que estou trabalhando na produção do novo disco do Mzuri Sana e fazendo shows para promover o Raciocínio Quebrado. Sejam bem-vindos à Entressafra.

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